O PSTU-ABC entrevista Roberta Kelly França. Mulher, negra, trabalhadora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e Coordenadora Geral do Sindicato dos Trabalhadores da UFABC.
PSTU-ABC: Já temos
Dia das Mulheres, Dia da Consciência Negra, por que então um dia de luta das
Mulheres Negras?
Roberta: Essas datas são
importantes porque trazem para o nosso cotidiano, para nossa conversa do
dia-a-dia, as questões que nos tiram da passividade com que aceitamos esta
sociedade excludente em que vivemos. A consciência dos nossos problemas leva ao
questionamento de como mudar. O Brasil é um país de afrodescendentes, e
felizmente, esta consciência vem crescendo inclusive nos dados do Censo. Contudo,
genericamente, entre os afrodescendentes a mulher negra é quem ainda carrega os
maiores estigmas sociais: ocupa os empregos de pouco prestígio, recebe salários
mais baixos (inclusive se comparado a uma mulher branca), sua beleza é pouco
valorizada e ainda lideram os índices de violência contra a mulher, dentro e
fora de casa (dados da Rede de Mulheres
Negras – PR). Enfim, precisamos não ter medo de falar dessas diferenças.
Não ter medo de falar que essas diferenças oprimem e até matam. Por isso a
importância desse dia.
PSTU-ABC: Se
considerarmos sua profissão, sua colocação no mercado de trabalho e sua posição
como coordenadora geral de um sindicato de trabalhadores, você é minoria
absoluta por ser mulher e, principalmente, por ser negra. Conte-nos um pouco de
sua história.
R: Sou nascida e
criada na zona leste de São Paulo (São Mateus) e há três anos me mudei para
Santo André (Grande ABC Paulista). Diferente do que percebo hoje no bairro em
que moro e nos lugares em que frequento, na zona leste de São Paulo meu perfil,
mulher e negra, não representa a
minoria. Toda minha formação se deu em escolas públicas, inclusive a graduação,
cursei Biblioteconomia na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
(Unesp), campus de Marília (interior de São Paulo); entrei na UFABC, em 2007,
como bibliotecária. A profissão de Bibliotecário tem muita representatividade feminina,
ainda que os primeiros bibliotecários tenham sido homens, hoje as universidades
formam majoritariamente mulheres. Na UFABC, em um cenário com 7 bibliotecários,
somos em 5 mulheres, eu sou a única negra (na graduação, em uma sala com 35
alunos, sendo 4 homens, apenas eu e outra colega representávamos a mulher negra).
No meio político, inclusive o sindical, também não é diferente, como você
colocou, sou a minoria da minoria. Contudo, não acredito que minha história
seja exceção: no Brasil e em vários outros países do mundo, o negro não ocupa
os melhores empregos (e ser funcionário público por aqui é sinônimo de ter um
bom emprego) e está pouco, ou quase nada, representado politicamente.
PSTU-ABC: Como você vê a situação da jovem negra na
sociedade brasileira?
R: Não muito diferente de 50 anos atrás: ainda somos pouco
representadas nas novelas brasileiras, ocupamos cargos menores em nossos locais
de trabalho... contudo, hoje temos um mercado de produtos de beleza e roupas
mais abrangente, que nos permite manter e valorizar nossa beleza, nossa
cultura. E isto é muito importante para o resgate/manutenção da identidade e auto-estima
desta jovem. Porém, ainda me preocupa a questão da posição social desta
jovem. Bom, façamos uma reflexão se você
for negra ou conhece uma mulher negra: qual profissão ocupa? É graduada?
Proponho, ainda, irmos um pouco mais longe: pense na mãe, tia ou avó, qual era
sua profissão? O Brasil ainda está num circulo vicioso: poucas vezes uma
família de negros veem seus filhos assumindo novos e melhores postos de
trabalho, estudando, morando melhor (ainda que seja verdade que quando isso
acontece, na maioria das vezes, é a filha que rompe este circulo). Existe um abismo social entre as raças, os
dados do último censo evidenciam isso, e sair deste abismo ainda tem mais
barreiras para a mulher.
PSTU-ABC: Em outubro do ano passado o rapper Emicida
protestou contra uma personagem do programa Zorra Total que, a seu ver, “aproveita-se
da triste situação em que esta sociedade doente colocou nossas
mães/irmãs/esposas/amigas” (veja aqui).
Você acha que o humor e a mídia em geral ainda contribuem com o racismo e a
discriminação de gênero?
R: Sim. E além
deste exemplo evidenciado pelo Emicida, podemos lembrar quantas vezes nas
novelas brasileiras a empregada doméstica ou a mulher pobre e ‘barraqueira’ é
negra? E, estendendo a resposta para a discriminação de gênero, sim, a mídia
contribui muito para a perpetuação da mulher brasileira como objeto sexual,
carente, dependente do dinheiro do marido/pai, que tem como objetivo de vida o
casamento.
PSTU-ABC: Sabemos que se as mulheres em geral recebem
menos que os homens, as mulheres negras recebem menos que as mulheres brancas.
De acordo com dados do Censo de 2010 (fonte:
Igualdade racial no Brasil: reflexões no Ano Internacional dos
Afrodescendentes, organizado por Tatiana Dias Silva, Fernanda Lira Goes, Ipea,
2013.), nesse ano, as mulheres negras recebiam em média 38% do que os homens brancos
recebiam, e, embora fossem aproximadamente 20% da População Economicamente Ativa,
representavam 33,9% dos desocupados. Qual
a relação desses dados com o dia de luta da mulher negra?
R: Estes dados
representam a razão da luta da mulher negra. Somente ciente destes dados é que
somos capazes de nos indignar e lutar por uma sociedade justa. Ainda que eu
acredite que a luta no Brasil tem que ser dos trabalhadores (mulher, homem,
jovem, aposentado), por acreditar que isto é o que nos unifica e torna maior
nossa chance de vitória, é preciso saber que há uma graduação entre os explorados,
e assim mudarmos nossos posicionamentos, nos questionarmos, nos reconstruirmos
para estarmos aptos a reconstruir a sociedade.
PSTU-ABC: Por que
razão o racismo e o machismo persistem tão fortes no Brasil e no mundo nos dias
atuais, apesar de inúmeras mudanças nas leis e criações de secretarias nos
governos?
R: Acredito que
pela dificuldade de nos repensarmos: a mudança precisa vir de dentro da nossa
casa, para depois chegar na escola, no nosso local de trabalho e, por fim, no
Congresso, com a proposição de políticas mais efetivas. Todos somos um pouco
racistas, machistas ou homofóbicos, não podemos continuar levando o discurso da
mídia e dos políticos descomprometidos de que no Brasil isso não existe, existe
sim! Só se muda aquilo que está, inquestionavelmente, precisando de mudança.
PSTU-ABC: Sinta-se
a vontade para fazer algumas considerações ou falar de algo que não foi dito
acima.
R: Vale dizer que
estamos vivendo alguns avanços na perspectiva da igualdade racial no Brasil; a
inclusão das cotas raciais em boa parte das universidades públicas brasileira,
ainda que não venha acompanhada de uma política de valorização e melhora da
escola pública, é um marco importante no país. O movimento negro, em diferentes
vertentes, vem atuando para a valorização do povo negro, promovendo a
divulgação da cultura negra, valorizando a beleza do povo negro. Sim, ainda
temos muito pelo que lutar, quantos de nós conhecemos uma médica negra, uma
engenheira negra, uma professora doutora negra? Mas acredito que nossa
principal vitória nos últimos tempos é que não precisamos mais ter medo de
mostrar, ou querer esconder, nossa negritude feminina! Agora é hora de ir para
luta com o black solto!
Agradeço a oportunidade de poder falar, dar minha pequena
contribuição, para que vivamos o dia de hoje, Dia de luta da Mulher Negra, com
mais consciência.
Fontes consultadas:
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial: http://www.seppir.gov.br/
Núcleo de Estudos Afrobrasileiro / UFSCar: http://www.neab.ufscar.br/
Educação para as
relações étnico-raciais: outras perspectivas para o Brasil / Guimes
Rodrigues Filho, Vânia Aparecida Martins Bernardes, João Gabriel
do Nascimento. -- Uberlândia, MG : Editora Gráfica Lops, 2012. Disponível
em: http://www.neab.ufu.br/sites/neab.ufu.br/files/Livro_Especializa%C3%A7%C3%A3o_NEAB_0.pdf
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