Artigo publicado em 2005 no Portal do PSTU
Lívia Furtado
de Belo Horizonte (MG)
• 1968. O mundo, em ebulição revolucionária,
assiste aos protestos dos jovens contra a Guerra do Vietnã, o
conservadorismo, o capitalismo e a Igreja. Na América Latina, Brasil e
outros países vivem “anos de chumbo”, governados por ditaduras
militares, apoiadas pelos EUA.
Neste cenário, há exatos 37 anos, no dia 28 de março, foi assassinado o
estudante Edson Luís de Lima Souto (foto), aos 16 anos, no Rio de Janeiro.
Naquele dia, os estudantes realizavam uma manifestação contra o aumento
dos preços do restaurante Calabouço, criado para atender alunos carentes
e custeado pelo governo. A Polícia Militar chegou ao local atirando,
com ordem para “quebrar tudo” – desde 1964, a Lei Suplicy proibia
mobilizações estudantis. Testemunhas contaram que Edson Luís, que nasceu
no Pará e estudava no Rio de Janeiro, foi morto com um tiro à queima
roupa. Diversos estudantes ficaram feridos e dois cidadãos foram
atingidos pelos tiros “a esmo” dos policiais.
A morte de Edson Luís gerou uma onda de mobilizações e greves que se
espalhou por todas as universidades do Rio de Janeiro e, logo, por todo o
Brasil. Cerca de 50 mil pessoas acompanharam o enterro do estudante que
se tornaria um mártir da luta contra a ditadura militar. A brutalidade e
a inabilidade da polícia provocaram o repúdio até mesmo dos setores
mais conservadores e da classe média. As cenas de violência, porém,
estavam apenas começando.
Sete dias depois...
Dia 04 de abril, celebração da missa de sétimo dia da morte de Edson
Luís. A polícia cerca e invade a Igreja de Nossa Senhora da Candelária. O
repórter-fotográfico Alberto Jacob, que cobria a missa para o Jornal do
Brasil, contou em entrevista à Revista de Comunicação, nº 39: “Ouvi o
tropel e vi os soldados vindo com cassetetes e espadas por cima de todo
mundo”. Na correria, ele fotografou uma senhora com uma criança debaixo
das patas de um cavalo – a foto mereceria a primeira página do jornal e
prêmios jornalísticos, mas foi destruída pelos policiais, que espancaram
e prenderam o repórter.
Diante da violência dos policiais, os padres que celebravam a missa se
uniram, formando uma corrente para proteger os estudantes de mais
agressões. Zuenir Ventura conta o episódio, num trecho de seu livro
1968: O ano que não terminou: ``Ainda paramentados com suas alvas, sobre
as quais desciam as estolas roxas, porque era Quaresma, os 15 padres
seguiam o vigário-geral, que por vezes tanto odiaram, nesse cortejo que
caminhava lentamente em direção a um muro de cavalos indóceis e
cavalarianos irascíveis``.
Bala, porrete... e marcha fúnebre
Nos meses seguintes, a revolta causada pelo assassinato de Edson Luís
aumentou na mesma proporção que a repressão. Em junho, estudantes de
todo o Brasil se mobilizaram contra a introdução da taxa de matrícula
nas universidades federais. A gradativa transformação do ensino público
em ensino pago era uma das exigências dos acordos firmados entre o
governo militar e a Agência de Desenvolvimento dos Estados Unidos, o
acordo MEC-USAID.
O projeto, a médio prazo, era transformar as universidades públicas em
fundações – qualquer semelhança com a luta estudantil nos dias de hoje
não é mera coincidência, há anos os organismos e nações imperialistas
tentam implementar um modelo de ensino privatista e liberal, voltado
para o mercado. Hoje, a luta dos movimentos estudantis é contra as
mesmas propostas e o mesmo inimigo.
Ainda em junho, a repressão chegou ao limite. Depois de invadir uma
assembléia clandestina, a polícia arrastou 400 estudantes para o campo
do Botafogo, no Rio de Janeiro. Os relatos e imagens do que aconteceu
naquele campo de futebol ainda impressionam: os soldados urinavam e
batiam nos estudantes indefesos, deitados com as mãos na cabeça, e
abusavam das jovens com cassetetes.
No dia seguinte, também no Rio, a população e os estudantes se
enfrentaram com a polícia durante quase 10 horas. O episódio, conhecido
como “Sexta-feira Sangrenta” deixou quatro mortos, vários baleados,
espancados e presos. No dia 26, a Passeata dos Cem Mil tomou as ruas da
capital, mas, por causa da grande adesão do povo, o governo decidiu não
reprimir.
Em outubro, mais de 1.200 estudantes foram presos num congresso
clandestino da UNE, em Ibiúna (SP) e um secundarista, José Guimarães, é
morto em São Paulo, na chamada “Batalha da Rua Maria Antônia”, com
grupos de ultradireita. Sem conseguir conter a revolta popular e
estudantil, o general Costa e Silva aprofunda o regime criminoso e
covarde que iria destruir a vida de milhares de jovens e ativistas
brasileiros. No dia 13 de dezembro, ele edita o Ato Institucional nº 5
(AI-5), eliminando direitos individuais e permitindo ao poder executivo
impor estado de sítio, fechar o Congresso, cassar mandatos políticos e
aprofundar a censura.
Era uma “sexta-feira treze” e, como escreveu Zuenir Ventura, “nem a
supertição podia adivinhar que aquele dia iria durar mais de uma
década”.